domingo, abril 08, 2007

Saiu na mídia - Tribuna do Planalto

Nadar, nadar e morrer na praia...

Fernando Krebs:
ação por
improbidade,
se
for
o caso


Lucimeire Santos

Estudo com afinco, dedicação extrema e renúncia às atividades de lazer em busca de cargos empregatícios estáveis em algum poder ou órgão público da administração direta ou indireta. Milhares de goianos chegam a abdicar boa parte de suas vidas – em média levam de dois a três anos até a primeira aprovação em uma seletiva – e transformam em projeto pessoal a perspectiva de passar em concursos públicos.

Ao longo do processo, os postulantes convivem com angústia e expectativa e, em alguns casos, precipitam-se até crises familiares. Em tese, para o candidato aprovado, o sofrimento deveria cessar após a seleção para a vaga almejada. Mas não é o que tem ocorrido em Goiás. São recorrentes os casos em que, mesmo após conquistar a aprovação dentro do número de vagas previstas em edital, os candidatos precisam se mobilizar ou pedir a intervenção do Ministério Público e da Justiça para a efetivação no cargo.

Quase sempre isso gera mais desgaste, pois o processo se arrasta sem qualquer garantia de êxito. E, claro, suscita dúvidas sobre a seriedade dos processos seletivos. Exemplos recentes de concursos realizados em Goiás, como da Assembléia Legislativa, Câmara Municipal de Goiânia, Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos (Aganp), Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comurg) e Agência Goiana de Obras Públicas (Agetop) ilustram o problema.

Por um lado, a realização destes concursos pode transmitir a idéia da moralização e indicar que administração e poderes constituídos estão fazendo cumprir a Constituição, que prevê a necessidade de contratação por meio de concurso (art.37, II da Constituição Federal). Por outro, a manutenção de comissionados – exemplo recente dado pelo governo estadual ao reconduzir 6,2 mil dos 9 mil servidores exonerados em cargos de chefia e assessoramento – torna, no mínimo, questionável o pressuposto da moralidade.

Até porque o próprio Ministério Público (MP) estadual diz ter identificado exemplos de contratação de comissionados para cargos técnicos em órgãos do governo – caso da Saúde –, conforme afirma o promotor da Defesa do Patrimônio Público, Fernando Krebs. No caso do município de Goiânia, dados levantados pela promotoria apontam que, antes da contratação de alguns concursados da Comurg e Guarda Municipal, a prefeitura chegou a ter 5 mil comissionados e funcionários temporários, num total de 20 mil servidores.

No Estado, segundo Krebs, o índice dos não-efetivos é aproximadamente 26% (mais de 13 mil comissionados e 18 mil temporários). Embora não haja um índice legal para a contratação destes servidores, Krebs afirma que o Estado deveria trabalhar com número em torno de 5%. "Um limite geral seria 10%. Isso no caso da União. Para Estados e municípios, muito menos", afirma. Cargos em comissão, diz o promotor ao citar trecho do livro de Emerson Garcia e Rogério Pacheco – Improbidade Administrativa –, "são criados por lei e destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Devem ser criados em número compatível com a necessidade do serviço, sendo vedado exercer atividades outras que não as referidas na Constituição".

Uma pergunta é recorrente entre concursados: a existência de um número expressivo de comissionados e o fato de concursos públicos terem sido realizados sem que haja a completa nomeação dos aprovados não abriria de imediato a possibilidade de instaurar uma ação contra os responsáveis pelos certames? Por enquanto, por si só, os fatos são trabalhados como indícios para investigação. "No caso do governo estadual, a gente tinha feito requisição sobre cargos, quem ocupa, salários... Mas isso tudo esbarra num grande problema. O governador determinou a não-realização de concurso até junho", diz Krebs, ao falar sobre a possibilidade de a promotoria entrar com um processo por improbidade administrativa contra o Executivo. "Neste caso, vamos fazer uma requisição ao procurador-geral. Extrair o mais importante e solicitar ao procurador-geral para que instaure ação de improbidade administrativa contra o governador, se for o caso."

À Tribuna do Planalto, porém, o procurador-geral de Justiça de Goiás, Eduardo Abdon Moura – que assumiu o cargo no último dia 12 de março –, afirma estar tomando pé da situação, e que precisa se "inteirar melhor" tanto no que diz respeito à situação do Estado quanto da Assembléia Legislativa de Goiás. Diz que nesta semana se reunirá com o presidente da Casa, Jardel Sebba (PSDB), para discutir o possível cronograma de nomeação dos concursados da Assembléia.

Direito

Entre a aprovação e nomeação para um concurso há também uma série de embates, questionamentos e interpretações que recorrem às doutrinas da jurisprudência. Um dos princípios que norteiam o parecer de juízes nestes casos é de que a aprovação em concurso público gera a "mera expectativa de direito". Assim, o candidato poderia recorrer à Justiça apenas quando fosse infringida a ordem legal de classificação. Caberia à administração a prerrogativa de decidir o momento da nomeação. Entretanto, por outro lado, há também o entendimento de que, quando o poder público realiza contratos precários de trabalho no período de validade do concurso e para os cargos previstos nos editais, o aprovado teria o direito de questionar na Justiça e nos Tribunais de Contas do Estado a lisura do processo, assim como reivindicar a convocação.

Sob orientação do MP, os não-nomeados de Goiás ainda optam pela pressão e negociação, realizando manifestações constantes na capital. Uma batalha que começou pela convocação dos concursados da Aganp, cuja seletiva foi realizada no ano passado. Do total de 2,633 mil nomeados do órgão, 476 ainda não tomaram posse. Agora, a luta destes aprovados é para que o concurso seja prorrogado. Diferentemente da maioria dos certames realizados, que deixam claro nos editais que o concurso tem validade de dois anos – prorrogáveis por mais dois. No caso da Aganp, o edital estipulava apenas um ano. Caso não seja prorrogado até o próximo dia 24 de abril, 2.706 pessoas que integram a reserva-técnica verão esgotadas as chances de posse. "A reserva não tem garantias.

A prorrogação do concurso e a prorrogação da reserva são discricionadas. E a gente batalha para que na validade do concurso, até abril do ano que vem – caso ele seja prorrogado –, seja absorvida a reserva, porque necessidade de pessoal a gente sabe que tem", diz Carlos Eduardo Silva de Faria, representante da comissão da reserva-técnica da Aganp.

Carlos Eduardo se revolta diante da promessa, segundo ele “não-cumprida pelo governo estadual", de dar preferência aos concursados da Aganp nas contratações de 2007, conforme previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "Como se não bastasse, no final do ano passado – em 27 de dezembro, justamente no dia do meu aniversário – foi ampliado o prazo para o governador exonerar os comissionados até dezembro de 2008. Hoje, há 9 mil pessoas no Estado assessorando quem? É como se eu tivesse 50 pessoas me assessorando. Não é muito cacique pra pouco índio?", indigna-se.

A angústia que envolve sua nomeação, por vezes o faz colocar à prova o profissionalismo das seletivas. "Em Goiás, faz parte da cultura não ter concurso. Acho que o concurso da Aganp está entrando para a história. A partir de agora vão pensar duas vezes antes de fazer concurso. Não é fazer por fazer", critica.

Os concursados da Aganp estão apoiados num estudo técnico elaborado pela própria agência, ainda na gestão do ex-governador Marconi Perillo, que justifica a realização do concurso com o argumento econômico. Pelos cálculos, a contratação de concursados geraria uma economia de R$ 1 milhão aos cofres estaduais. "Se a gente incentiva que as pessoas estudem, vamos mudar a mentalidade no Estado.

E a gente abre mão de muita coisa por causa de um concurso. Comissionado não tem motivo pra estudar, porque vale quem indica. E a gente quer que a sociedade também entenda que uma pessoa treinada, que estudou e conseguiu a vaga, será muito melhor para o atendimento num órgão público e também para a administração", resume o estudante de Direito Thiago Vilar, que já tomou posse para o cargo de assistente administrativo da Aganp, mas continua na luta pela nomeação dos companheiros.

Sem perspectivas, aprovados para as duas casas não contam sequer com um cronograma de contratação

O imbróglio da Câmara e Assembléia

No caso da Assembléia e da Câmara, a briga deverá se arrastar por mais tempo. Até agora não há perspectiva clara sobre um cronograma de contratação dos servidores nas duas Casas. Na Assembléia, os 122 aprovados no concurso realizado em junho do ano passado não esmorecem a pressão e continuam com protestos regulares em frente à Casa. Afirmam, porém, não encontrar respaldo dos deputados. Alguns parlamentares defendem a contratação dos servidores, mas empurram a responsabilidade para a gestão passada, na presidência de Samuel Almeida (PSDB), que teria autorizado a abertura do processo seletivo sem previsão orçamentária – avaliação do deputado Luís César Bueno (PT). "Foi uma irresponsabilidade elaborar um concurso sem previsão orçamentária", afirma, ao argumentar a falta de "autonomia financeira da Casa" e cobrar o repasse do duodécimo constitucional a quem o poder tem direito, que corresponde a 3% da arrecadação do Estado. Os parlamentares reivindicam um atraso de dez anos nos repasses, alegando que, com o incremento, a receita da Assembléia passaria a R$ 20 milhões.

"Na medida em que nós assumimos a Mesa Diretora, percebemos que a disponibilidade financeira não dava sequer para cobrir as despesas de manutenção e de pagamento da estrutura existente. Então, nós fizemos uma reunião com o MP e pedimos um prazo para adequar a estrutura administrativa da Casa ao processo de contratação dos concursados. O primeiro movimento foi dado quando nós derrubamos o veto do governador que impedia a assembléia de ter acesso ao duodécimo constitucional." Com a derrubada deste veto, passa a prevalecer a constituição do Estado, estipulando que o Estado será obrigado a fazer os repasses integrais dos recursos financeiros para a Casa, e esta de gerenciar os recursos. Seria o argumento para endossar a contratação dos servidores, de forma "responsável e obedecendo ao cronograma financeiro da casa", segundo o deputado.

Mas até no que diz respeito à autonomia financeira da Assembléia os concursados possuem um argumento técnico para a nomeação (veja quadro nesta página). A comissão que representa os aprovados alega que para acompanhar o repasse dos recursos e fiscalizá-los perante o Tribunal de Contas do Estado, os aprovados das áreas de economia, estatística e contabilidade poderiam auxiliar a diretoria financeira da Casa nos cálculos. Mais do que isso, o representante da comissão dos aprovados, Gladstone Bochi, reforça a justificativa ética. "A palavra que descreve nossa situação é exatamente esta: angústia. Acreditamos num edital de um concurso teoricamente limpo e aberto a toda população. Investimos tempo e valores. Nos classificamos e nos sentimos privilegiados por ser a elite daquela informação que nos foi solicitada no concurso. Aí nos chega a ingrata surpresa de que o concurso público não está sendo levado a sério."

Câmara

Na Câmara a situação também é indefinida. Embora o concurso tenha sido considerado legal pela promotoria do Patrimônio Público de Goiás e pelo Tribunal de Contas dos Municípios, os vereadores montaram um grupo para investigar possíveis irregularidades envolvendo a seletiva – supostas provas respondidas a lápis e ausência de exame para o cargo de taquígrafo. Os concursados e o próprio Ministério Público alegam que a investigação promovida pelos vereadores é apenas uma forma de retardar o chamamento dos aprovados e "burlar o concurso" – nas palavras do promotor Fernando Krebs, que diz encontrar dificuldades nas negociações administrativas com a Câmara, não descartando a proposição de uma ação judicial contra a Casa.

Mesmo assim, o presidente da comissão, o vereador Anselmo Pereira (PSDB), insiste em averiguar todas as denúncias. "Acho que onde há dúvida é preciso mostrar lisura. Estamos primeiro dando o aspecto da legalidade. Estando tudo legal, vamos determinar a forma de chamar os concursados. Adianto que vamos pedir para chamar preferencialmente as áreas de maior necessidade, como de motorista, taquígrafos e assessores jurídicos." No ano passado, a Câmara abriu 130 vagas, para os níveis médio e superior.

Entre os aprovados, está Leonardo Barreto, que hoje integra a comissão dos concursados. Embora não esteja desempregado – é professor da rede estadual e ensino –, diz estar preocupado com muitos aprovados que deixaram empregos fixos para estudar, na expectativa de serem convocados de imediato. "A gente vê isso como um absurdo. Na Câmara tem cerca de 800 servidores e apenas 160 são efetivos. Além disso, ignoram o estudo técnico que apontou a necessidade dos concursados", ressalta.

Lei no DF resguarda ‘concurseiros’

Para resguardar os direitos de isonomia e garantia de contratação dos aprovados nos exames de seleção, a Câmara do Distrito Federal (DF) aprovou, em fevereiro, a lei dos concursos, que passou a vigorar no dia 19 de março. O projeto estabelece uma série de modificações nos concursos públicos locais. Entre as salvaguardas, garante ao concurseiro aprovado o direito de nomeação dentro do número de vagas estabelecidas pelo edital e estipula que a taxa de inscrição para as provas não pode ultrapassar 1% da remuneração oferecida para o cargo.

As normas valem para todos os concursos públicos realizados pela administração direta e indireta no DF. A legislação vem de encontro à proposta defendida pelo professor universitário e juiz de Direito Ari Ferreira de Queiroz, que sugere um controle judicial dos concursos públicos. "Está na hora de revisar a jurisprudência e responsabilizar os agentes públicos. Aquele que abre o edital de concurso e depois não nomeia. Estou começando a enxergar que tem um ato de improbidade por detrás disso", diz, defendendo também a extensão do controle para as provas dos concursos.

"Partindo da premissa de que o concurso público é hoje um projeto de vida para as pessoas – e dificílimo –, a banca examinadora não pode ser dona da verdade. É plenamente possível um candidato não concordar com a correção de uma prova e não conseguir resolver essa pendenga perante a própria banca examinadora, e eu tenho pensado que ele pode levar essa questão para a Justiça e encontrar respaldo judicial." A lei que passa a vigorar no DF prevê que os candidatos aprovados no número de vagas estabelecidas no edital têm direito a nomeação, posse e exercício no cargo para o qual concorreram.

Também deixa claro que os aprovados em número excedente ao de vagas têm a expectativa de nomeação, mediante observação do prazo de validade do concurso. Para o promotor Fernando Krebs, contudo, a medida pode até auxiliar, mas a julga desnecessária. Segundo ele, a lei já existe – a Constituição. Ele também rebate a proposta de controle judicial, argumentando que seria dar mais responsabilidade ao Judiciário, via de regra "benevolente e obstáculo para as ações propostas pelo MP em Goiás".

Para Ari Queiroz, no entanto, "paciência tem limite". O juiz orienta os concurseiros a não desistir nunca. "Se não conseguirem resolver logo e ser empossados, que procurem um advogado e ingressem em juízo. Quem sabe o próprio Ministério Público possa ingressar para que a Justiça determine a decisão que for correta", sugere.

Saiba mais

O porquê das nomeações

Os concursados dos poderes legislativos de Goiás elaboraram uma série de justificativas para a nomeação dos aprovados. Quase todas elas fundamentadas em argumentos técnicos que embasam os próprios editais dos concursos. Vejam algumas:

Assembléia

Justificativa legal:

* Ao longo de 20 anos sem concurso, os cargos técnicos da Casa foram ocupados por comissionados para suprir a falta de concursados. Com a exoneração de todos os comissionados no dia 5 de fevereiro de 2007, fica proibido nomear novamente comissionados para os cargos técnicos, pois há concursados em espera. Se o presidente Jardel Sebba nomeá-los, estará cometendo um ato de improbidade administrativa.
* A Resolução 1007 da Assembléia prevê 538 cargos técnicos para serem ocupados por concursados. Hoje há 420 efetivos na Casa, logo 118 vagas em aberto.

Justificativa técnica:

* O concurso público foi uma realização conjunta, envolvendo o Sindicato dos Servidores d*a Assembléia Legislativa de Goiás (Sindisleg), que, por meio de ofício, fez o pedido pelo concurso à Diretoria de Recursos Humanos e à procuradoria. Baseia-se o pedido no fato de que nos últimos 18 anos 578 cargos efetivos foram extintos na Assembléia, criando um déficit de profissionais. O Sindisleg estima também que em 12 meses cerca de 100 a 150 servidores efetivos estarão se aposentando, e esse contingente precisa ser reposto pelos concursados.

* Os cargos reservados aos funcionários de gabinete dos deputados não serão preenchidos por concursados, preservando assim a cota de indicações políticas

* As comissões precisam ser fortalecidas e ter melhor suporte técnico.

Justificativa financeira

* O gasto com funcionários na última legislatura era de R$ 9 milhões por mês. O impacto dos concursados está estimado em R$ 200 mil mensais.

Câmara

Justificativa legal:

* Faltam na Câmara Municipal de Goiânia servidores especializados para auxiliar os vereadores em nos relatórios das comissões temáticas.

Justificativa técnica:

* O orçamento da Câmara Municipal de Goiânia foi, nos meses de janeiro e fevereiro de 2007, na ordem de R$ 3,3 milhões. Os concursados alegam que em abril de 2007 haverá um acréscimo de cerca de R$ 165 mil, (relativo ao repasse do duodécimo constitucional).

Justificativa financeira

* O impacto orçamentário na contratação dos novos servidores é da ordem de R$ 147,8 mil – valor menor que o aumento do duodécimo previsto para março/abril.

Fonte: Tribuna do Planalto

Nenhum comentário: