domingo, fevereiro 18, 2007

Saiu na mídia - A síndrome de caixa-preta

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA


A síndrome de caixa-preta

Passados 18 dias da eleição da nova mesa diretora, que prometeu transparência, várias questões inerentes ao Poder continuam sem respostas

Heloísa Lima

A abertura dos trabalhos da Assembléia Legislativa, na quinta-feira, foi marcada pelo discurso da necessidade de transparência na Casa. Na prática, porém, o Legislativo mais parece uma caixa-preta cujos dados não foram decodificados. Passados 18 dias da eleição da nova mesa diretora, uma série de questões inerentes ao Poder continuam sem resposta. “Não tenho conhecimento, tenho cuidado em não ser leviano”, responde o presidente da Assembléia, Jardel Sebba (PSDB), ao ser questionado sobre temas como o número de comissionados e o serviço de saúde na Casa, entre outros.

Ao assumir a presidência, Jardel Sebba chamou para si a responsabilidade de melhorar a imagem do Legislativo goiano e garantir “transparência” aos atos da mesa. Seu primeiro ato, no dia 5, foi demitir todos os comissionados da Assembléia e suspender contratos e licitações. Na oportunidade, o tucano reclamou do seu antecessor por não ter promovido uma transição, e afirmou que só iria se pronunciar sobre a situação financeira do Poder depois que tivesse um relatório detalhado das contas e dos atos da última gestão.

"Quero que os deputados sejam julgados,
negativa ou positivamente, mas que
quem os julgue tenha dados.
Por isso, todo o processo
(legislativo) tem de ser o
mais transparente possível."



Sem dados

Por mais de uma semana, O POPULAR tentou obter dados sobre as finanças e a folha de pagamento da Assembléia junto à nova mesa diretora e também junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). As perguntas, porém, ficaram sem resposta. A nova direção do Legislativo alega que faltam dados como número de comissionados na Casa, detalhes sobre contratos vigentes e quanto é gasto para a manutenção de serviços.

Diretor-geral da Assembléia, o ex-deputado Kennedy Trindade (PR) diz que a ausência de informações é transitória. “Existe disposição dessa administração de, na medida em que os dados forem levantados, divulgá-los para a sociedade. A determinação do presidente é para dar o máximo de transparência a essa Casa”, frisou. O diretor afirmou que passaria o feriado de carnaval analisando os relatórios de cada setor, que seriam apresentados por comissões criadas por ele.

Kennedy sustenta que a expectativa é de que o Diário Oficial, que na última gestão teve apenas 22 edições normais, passe a circular regularmente logo após o feriado de carnaval e que seja também exposto pela internet. “Ainda não definimos as chefias, não terminamos de nomear os cargos de supervisão. Por isso nem temos como exigir muita coisa dos nossos funcionários.”
O diretor disse ainda que, por conta da urgência das nomeações dos comissionados – a folha de pagamento fecha por volta do dia 20 –, o trabalho de levantamento de dados acabou ficando para segundo plano. “Temos de nomear o pessoal logo, senão eles ficam sem receber e a Assembléia pára.”

Ele também não soube dizer quantos servidores deverão ser recontratados e frisou que as nomeações devem ocorrer durante o feriado. “O objetivo do presidente é enxugar a folha de pagamento, mas ainda não sabemos se isso será possível.”

Lei fiscal

O Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão de assessoramento da Assembléia Legislativa, por sua vez, repassou dados apenas de processos já julgados pelo órgão. Ficam sem respostas perguntas como valores de contratos firmados pela Assembléia em 2006 e mesmo se estão sendo cumpridos os limites de endividamento e de gastos com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelos dados referentes à prestação de contas de setembro/outubro, a folha da Assembléia é de R$ 9,18 milhões mensais (incluindo encargos).

A decisão de não divulgar dados de processos não julgados é do presidente do tribunal, Edson Ferrari, e, segundo a assessoria de imprensa do órgão, tem o objetivo de preservar as partes envolvidas. O objetivo, informam, é evitar que um processo ainda em fase de investigação resulte em prejuízos à imagem de uma pessoa.

O TCE cita ainda o inciso 5 do artigo 1º da Lei Orgânica, que estabelece a competência do órgão, para justificar a ausência de informações sobre o número de comissionados. De acordo com o texto, compete ao TCE apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal na administração direta e indireta, “excluídas dessa apreciação as nomeações para cargos de provimento em comissão”.

Promessas

O ex-presidente Samuel Almeida (PSDB) foi eleito em 2004 com o compromisso de promover mudanças no Regimento Interno e garantir mais transparência aos atos da mesa diretora. Quando ele assumiu o comando, também pairavam sobre a Casa rumores de irregularidades e de acúmulo de dívidas.

O ex-presidente, porém, não cumpriu o compromisso de tornar públicos os atos da Casa, desperdiçou todas as oportunidades de proporcionar um novo regimento e ainda terminou o mandato indiciado pela Polícia Civil por suposta participação em um esquema de desvio de verbas públicas por meio da contratação de servidores fantasmas.


Contratos chamam atenção por altos valores

Apesar da discrição com que o tema é tratado, números em profusão aparecem para ilustrar supostos desmandos da gestão anterior

Heloísa Lima

A possibilidade da existência de irregularidades em contratos firmados durante a gestão de Samuel Almeida (PSDB, 2005-2006) é assunto considerado tabu na Assembléia. Aliados do presidente Jardel Sebba (também tucano) dizem que ele quer evitar o clima de “caça às bruxas”, temendo que isso possa respingar na já combalida imagem do Legislativo goiano.

Para essas pessoas, o ideal seria que o novo presidente sanasse as irregularidades sem causar alarde, implantando em seguida uma “agenda positiva”. O ex-presidente mantém o silêncio. Ao final da primeira sessão desta legislatura, na quinta-feira, Samuel se limitou a dizer que os rumores de irregularidades não passam de “bobagem”. Ele, porém, se recusou a dar entrevista alegando estar com febre e dor de garganta.

Apesar da discrição com que o tema é tratado, pelos corredores da Assembléia números em profusão são citados para ilustrar supostos desmandos cometidos pela gestão anterior. Um dos contratos que mais chama a atenção foi firmado entre a Assembléia e a Online Informática, locadora de equipamentos e prestadora de serviços na área de informática.

A empresa tem como sócio-diretor Gilberto Batista Lucena, proprietário da Linknet, que teve seu contrato suspenso com a Prefeitura de Goiânia após denúncias de irregularidades no ano passado. Em julho chegou a ser aberta, na Câmara de Goiânia, uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar supostas irregularidades no contrato com a Companhia de Processamento de Dados do Município de Goiânia (Comdata), com valor total de R$ 4 milhões, que previa o aluguel de mil computadores, 300 impressoras, mil estabilizadores e uma máquina copiadora de grande porte por um período de dois anos.

Segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em meados de 2005 a Assembléia firmou o primeiro contrato com a Online, com vigência de seis meses e valor total de R$ 1,01 milhão, o que correspondia a uma parcela mensal de R$ 168 mil. Sob o argumento da urgência, o contrato foi celebrado com dispensa de licitação.

Desse total, R$ 72 mil seriam relativos à locação de 250 computadores, 25 impressoras a laser monocromáticas e cinco impressoras a laser coloridas. Outros R$ 25 mil seriam pagos todos os meses pela modernização e manutenção dos sistemas de aplicativos, e mais R$ 70 mil pelo suporte técnico. Para o suporte técnico, seriam deslocados 12 funcionários para a Assembléia.
Ao término do primeiro contrato, a Assembléia realizou licitação e a Online informática foi vencedora. O novo contrato, com validade de 12 meses, teve seu valor global fixado em R$ 3,12 milhões. A reportagem não teve acesso a detalhes do contrato, como número de máquinas alugadas e funcionários disponibilizados.

Sabe-se, porém, que os custos mensais da locação dos equipamentos ultrapassaram os R$ 260 mil. Desse total, R$ 179,4 mil eram relativos ao aluguel de equipamentos, R$ 10,6 mil a sistemas de aplicativos e outros R$ 70,5 mil diziam respeito ao suporte técnico. Empresas do ramo com atuação em Goiás e outros Estados consideram os valores mais altos do que os praticados pelo mercado. O contrato foi considerado legal pelo TCE e expirou em dezembro.


Gastos elevados com vôos

Entre os contratos firmados pela Assembléia Legislativa, chama a atenção um com a Sete Táxi Aéreo, assinado em 25 de agosto de 2005, no valor de R$ 600 mil – R$ 400 mil para serem gastos em 2006. O contrato previa vôos em aviões bimotor ou turbo-hélice, para localidades não servidas por linhas regulares de aviação a partir de Goiânia. O TCE não liberou detalhes sobre os valores efetivamente pagos no ano passado.

Pilotos ouvidos pelo POPULAR disseram que a locação de aviões bimotor pode custar entre R$ 2 mil e R$ 3,5 mil a hora. Já aviões turbo-hélice (como o King Air) têm custo estimado em R$ 5 mil por hora de vôo. Esses aviões percorrem cerca de 400 quilômetros por hora, e as localidades mais distantes do Estado estão a, no máximo, 1 hora e 30 minutos de vôo.

Parlamentares e ex-diretores da Assembléia disseram que viagens em aviões fretados pela Assembléia não são rotineiras. “Eu mesmo nunca usei”, diz o presidente da CCJ da Casa, Helio de Sousa (PFL). O mesmo disse o líder do Governo, Ernesto Roller (PP).

Fonte: Jornal O Popular

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