segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Saiu na mídia - Jornal Opção

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA
Práticas do tempo do Império

Parlamento ignora cobrança por moralidade e não convoca aprovados em concurso público

ANDRÉIA BAHIA

Ernesto Roller:
“Não estou a par da necessidade
de convocação dos
concursados”

Jardel Sebba:
“Nós temos compromissos
com as bases, com os aliados,
e esse concurso está
fora de nosso propósito”


Nos últimos meses veio à tona a situação das 122 pessoas aprovadas em concurso realizado pela Assembléia Legislativa no ano passado — homologado em 28 de junho — e que até hoje não foram convocadas a assumir seus cargos, a despeito do ex-presidente da Assembléia, deputado Samuel Almeida, ter anunciado que todos os concursados iriam tomar posse até 31 de dezembro de 2006. Ao anunciar o concurso, em abril de 2006, o ex-presidente disse que iria substituir os servidores comissionados da administração por efetivos e que, com isso, pretendia melhorar a qualidade do serviço prestado pelo parlamento à sociedade.

“Após a realização desse concurso, o funcionário estará direcionado e preparado para prestar essa assessoria à sociedade e à discussão dos projetos aqui dentro da Casa”, declarou Samuel Almeida em uma entrevista coletiva concedida ao anunciar o concurso. Quanto ao provimento desses cargos, o ex-presidente afirmou: “Até o final da nossa administração, teremos já o preenchimento desses cargos”, o que não ocorreu.

No final de seu mandato, o ex-presidente havia mudado seu discurso. No dia 11 de janeiro, quando os concursados entraram no plenário da Casa com roupas pretas e nariz de palhaço pedindo “nomeação de todos já”, Samuel Almeida passou a dizer que os concursados seriam nomeados no decorrer do prazo legal do concurso, que é de dois anos, e de acordo com a necessidade técnica da Casa. Ou seja, no decorrer de mais um ano e quatro meses, visto que oito meses já se passaram desde a homologação do concurso.

Quanto ao quesito “necessidade técnica da Casa”, os concursados levantaram que, dos 750 funcionários efetivos que havia na Assembléia legislativa há 10 anos, cerca de 400 ainda estão na ativa. De acordo com dados do Sindicato dos Servidores do Legislativo de Goiás, mais de 300 já se aposentaram e outros 100 estão na iminência de se aposentarem. Segundo o Sindsleg, o servidor com menos tempo de serviço tem 21 anos de trabalho prestado na Casa. “Foi justamente por causa do esvaziamento do quadro efetivo da Assembléia Legislativa que solicitamos, em maio de 2006, a realização de concurso público”, explica o presidente do Sindsleg, Manoel Lourenço. Segundo levantamento dos concursados, menos de 20 por cento dos funcionários da Assembléia são efetivos.

Desvio de função — A não-contratação dos aprovados chegou ao Ministério Público e o promotor Fernando Krebs chegou a ouvir o ex-presidente da Casa Samuel Almeida informalmente e pretende ouvir o atual, Jardel Sebba. “O presidente é obrigado a dar posse aos concursados, porque há comissionados atuando em cargos técnicos e administrativos, o que caracteriza desvio de função.” De acordo com a lei, funcionários comissionados podem atuar apenas em cargos de assessoramento, direção e chefia, não podendo exercer funções administrativas. Segundo o promotor, caso o presidente da Assembléia não convoque os aprovados para assumir seus cargos, ele poderá ser acusado de improbidade administrativa, com base na Constituição Federal. Fernando Krebs observa que a insistência das autoridades em manter funcionários comissionados nos órgãos públicos é histórica no Estado, uma situação “que precisa ser enfrentada”. Trata-se de uma tradição que tem sua origem no Império, quando só havia os cargos “em confiança”, e a vontade do imperador confundia-se com a do próprio Estado. O concurso público para contratação de funcionários de órgãos do Estado só foi estabelecido em 1932, com a Revolução Constitucionalista de Getúlio Vargas, e, em 1967, passou a ser obrigatório para o provimento de todos os cargos públicos, excetuando-se os cargos em comissão, sistema confirmado pela Constituição de 1988.

Francisco Itami Campos:
“O Legislativo tem que
ter um corpo técnico
qualificado efetivo”



O concurso da Assembléia Legislativa contou com a participação de mais de 30 mil pessoas e, segundo um levantamento dos concursados, a Universidade Estadual de Goiás (UEG), que aplicou as provas, arrecadou com as inscrições cerca de 3 milhões de reais. Os concursados estimam que a maioria dos participantes gastou, além do valor da inscrição, de 300 a mil reais em cursos preparatórios, sem contar o tempo que dedicaram à preparação — em média, três meses. Os aprovados já passaram por dois treinamentos e lhes foi apresentado um cronograma de contratação que previa a nomeação dos 122 distribuídos nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, o que os levou a protocolar, no Ministério Público, uma representação onde apontavam irregularidades na Casa que poderiam estar impedindo a contratação.

A contratação dos concursados esbarra agora na falta de disposição do presidente da Casa, deputado Jardel Sebba. Para ele, a Assembléia é uma casa política e, portanto, todos os seus cargos devem ser preenchidos por indicação política. “Nós temos compromissos com as bases, com os aliados, e esse concurso está fora de nosso propósito”, diz. Segundo o deputado, as pessoas indicadas pelos deputados para exercerem os cargos no Legislativo estadual podem fazer até melhor que os concursados. “Para algum cargo técnico, uns dez cargos, de procurador por exemplo, tudo bem. Mas, além disso, acho desnecessário”, diz. O deputado reclama que não foi consultado sobre a realização do concurso e diz que vê com preocupação a situação dos concursados. Jardel Sebba promete tomar uma decisão colegiada, ouvindo os líderes dos partidos na Casa e o Ministério Público.

Os concursados temem que Jardel Sebba anule o concurso. O promotor Fernando Krebs afirma que a seleção não pode ser anulada. “O concurso foi feito porque havia necessidade de suprir uma carência de funcionários real e para adequar a Casa à Constituição Federal”, explica. O líder do governo, deputado Ernesto Roller, tenta evitar o desgaste de um posicionamento mais claro em relação à situação dos concursados, alegando não “estar a par da necessidade de convocação dos concursados”.

Segundo Roller, como não faz parte da área administrativa, não sabe avaliar se é necessário ou não convocar os aprovados no concurso. Todavia, observa: “Se foi feito o concurso é porque havia necessidade de pessoal, e, portanto, tem-se que chamar os aprovados. No entanto, não sei dizer quando deve ser essa convocação”. Discordando de Jardel Sebba, Roller afirma que, apesar de ser uma casa política, a Assembléia Legislativa tem postos que devem ser ocupados por funcionários efetivos. “É preciso distinguir bem: alguns cargos administrativos têm que ser ocupados por servidores efetivos.”

Legislativo X Executivo — A tese de Jardel Sebba — de que o Legislativo é uma casa política e, sendo assim, deve ter funcionários indicados pelos deputados — é um equívoco, segundo o cientista político Francisco Itami Campos, autor de dois livros sobre o Legislativo estadual goiano: O Legislativo em Goiás — Perfil Parlamentar e O Legislativo em Goiás — História e Legislaturas. Segundo o professor titular da Associação Educativa Evangélica, a complexidade do mundo exige que a Assembléia Legislativa reúna consultores das mais diferentes áreas — economia, sociologia, política, administração, engenharia —, e não apenas jurídicos, como ocorre hoje, para avaliar a constitucionalidade da matéria. “Isso acaba por enfraquecer o Legislativo, visto que o Executivo tem um corpo técnico de gestores, de pessoas de diferentes áreas de conhecimento, e, quando o governo apresenta um projeto, a Assembléia, na maioria das vezes, não tem condições de retrucar, de corrigir ou de complementar tal projeto. É obrigada a engolir o que vem do Executivo.”

Segundo Itami Campos, o Executivo já domina o Legislativo politicamente pelo fato de ter as rédeas do orçamento, e esse domínio se estende às questões técnicas. “A dimensão política dos poderes implica, inclusive, em uma maior representação de setores da sociedade e de uma sociedade que se torna complexa.” E é justamente por não se preocupar com a fundamentação de suas teses, com qualidade e conhecimento, que o Legislativo erra, afirma o professor. Obviamente que não se espera que um parlamentar, seja do município ou do Estado, tenha uma visão ampliada da sociedade, daí a necessidade de consultores nas mais diferentes áreas de conhecimento, a exemplo do que ocorre no Congresso Nacional. Um corpo técnico qualificado efetivo que tenha liberdade para trabalhar nos projetos da Casa.

Fonte: Jornal Opção

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