segunda-feira, janeiro 15, 2007

Saiu na mídia

Concurso público – Um interesse social que não admite desvios, por Rodrigo Dias da Fonseca

15/01/2007

Não raro nos deparamos com notícias e informações desencontradas sobre pessoas que trabalharam em órgãos públicos e que, ao deixarem o serviço, pouco ou nada recebem a título de acerto ou verbas rescisórias. Tentemos brevemente explicar as razões dessa situação aparentemente injusta.

Como no Estado republicano em tese todos são iguais perante a lei, a admissão de um trabalhador em órgão público deve decorrer de sua aprovação no respectivo concurso, exceto em casos excepcionais de cargos em comissão, que não vem ao caso aqui tratar.

O concurso representa a concretização do princípio da impessoalidade, que deve nortear a atividade estatal, a fim de se evitar privilégios indevidos. Logo, em um cenário ideal, todos os cidadãos que pretendam integrar órgão público têm de passar previamente por um concurso, em que tenham obtido aprovação.

Todavia, várias distorções são corriqueiramente observadas em todas as esferas de governo. Paternalismo, nepotismo, desorganização e desconhecimento levam pessoas, algumas até bem intencionadas, a integrar o serviço público sem se submeter a concurso ou a qualquer prova, burlando a lei.

Tal irregularidade abrange desde cargos que exigem maior qualificação, até outros mais simples, que não demandam maior grau de instrução formal: assessores de empresas públicas, médicos, garis e faxineiros, por exemplo. Enfim, denúncias a esse respeito pululam na mídia – e, também, no cotidiano do foro trabalhista.

Que direitos reconhecer, então, ao trabalhador que gastou tempo e energia em benefício de ente público, para o qual não prestou concurso? Os tribunais trabalhistas têm adotado o entendimento majoritário de que é nulo o contrato do trabalhador admitido nessas condições irregulares, e por isso é devido apenas o salário do tempo trabalhado, além do Fundo de Garantia. Isso significa que esse trabalhador não faz jus a férias, 13º salário, aviso prévio, além de outros direitos.

Essa restrição de direitos decorre da nulidade do ingresso no serviço público, em desacordo com a ordem legal. E o interesse privado (do trabalhador) não pode suplantar o interesse público, de forma que se busca, com a solução proposta, evitar que o trabalhador se beneficie dessa atividade irregular. Ainda, dessa forma constrange-se o administrador público a apenas proceder a contratação de servidores mediante o prévio concurso, evitando apadrinhamentos e privilégios injustificáveis, de forma a prestigiar a igualdade entre os cidadãos.

De fato, se todos os direitos trabalhistas fossem integralmente reconhecidos àqueles que ingressam no serviço público sem passar por um concurso anterior, então estes estariam sendo privilegiados em detrimento dos cidadãos igualmente interessados no mesmo cargo, emprego ou função.

No entanto, a injustiça aqui reside em se punir exclusivamente o trabalhador que passou a integrar quadro de pessoal de ente público por vias tortas, passando ao largo de condenar os administradores públicos que, afinal, engendraram e permitiram que a situação irregular se instalasse.

Portanto, o referido e polêmico entendimento majoritário dos tribunais melhor se justificaria caso houvesse punição efetiva da autoridade responsável pela admissão de trabalhador no serviço público, nas referidas condições irregulares – como aliás prevê expressamente a Constituição Federal. Convenha-se que assim não ocorre, principalmente, por falta de vontade política.


Rodrigo Dias da Fonseca é juiz do Trabalho e 1º secretário da Associação dos Magistrados Trabalhistas em Goiás. Escreve aos domingos neste espaço.
rdfonseca@uol.com.br

Fonte: http://www.dm.com.br/impresso.php?id=169773

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