quarta-feira, junho 13, 2007

Mudar a política dói

"O círculo vicioso que mantém a atividade política não muda porque a mudança para um círculo virtuoso depende de mudar os políticos.”

Mudar a política dói

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na semana passada na Alemanha que o combate à corrupção dói. Ele se referia à suspeita de envolvimento de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, com o esquema da máfia de caça-níqueis, revelado pela Operação Xeque-Mate da Polícia Federal. “Dói, dói. As pessoas que aparecem (nos casos) sofrem? Sofrem. Mas um dia vão para julgamento, e vai aparecer quem é culpado e quem é inocente”, disse.

O combate à corrupção não dói apenas por expor as pessoas envolvidas nas investigações. Dói principalmente porque mexe com interesses incrustados na atividade política brasileira e determinantes no modo de fazer política no País. A corrupção, assim como outros vícios, contaminou a ação política (ressalvadas as óbvias exceções) e hoje é difícil pensar em política livre de práticas que vão desde a ligação estreita entre financiamento de campanhas e defesa de interesses de empresas com negócios com o Estado (e não são apenas as empreiteiras) até as práticas que sustentam um Estado patrimonialista.

O círculo vicioso que mantém a atividade política não muda porque a mudança para um círculo virtuoso depende de mudar os políticos. E qualquer processo de mudança é doloroso. A pressão da sociedade sobre os políticos só produz resultados enquanto não esbarra na barreira que garante a sobrevivência dessa forma de fazer política no Brasil. Se o político sobrevive assim, ele não se interessa por mudanças, mesmo que isso custe um bem maior, a própria política e a saúde (moral e financeira) das instituições públicas.

As revelações da reportagem de Carlos Eduardo Reche e Fabiana Pucinelli, publicada na semana passada pelo POPULAR, encaixam-se bem nessa situação. A Assembléia Legislativa e a Câmara de Goiânia gastam mais com a folha de pagamento do que prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os gastos com pessoal cresceram 75% entre 2002 e 2006 na Assembléia Legislativa e, na Câmara, a chamada verba de assessoramento teve acréscimo de 138% entre 2003 e o ano passado.

A Câmara de Goiânia tem dado “bom exemplo” de administração pública há três anos: demite todos os funcionários em dezembro, para economizar um mês de salário e uma parcela das férias e do 13º salário dos comissionados para fechar a conta sem ferir a LRF. A manobra vem se repetindo há três anos, sem que nenhum órgão de fiscalização tenha feito qualquer reparo. É a legitimação do faz-de-conta.

A conta não fecha na Câmara não porque o duodécimo tem caído, como os presidentes têm tentado fazer a sociedade crer, mas porque na prática não há limite para gastos com pessoal. E criatividade para fazer manobras para driblar a lei não falta. Caso dos contratos dos estagiários na Câmara de Goiânia, incluído na conta da “verba de manutenção”. Deve ser para a manutenção do empreguismo.

Os estagiários custam R$ 237 mil mensais. Cada vereador tem direito a seis estagiários. São R$ 4,2 mil mensais por gabinete. Qual a explicação para a contratação de estagiários para os gabinetes se cada vereador já tem uma cota generosa de 17 servidores? Só há uma, a de sempre: a troca de favores eleitorais por emprego que sustentam a eleição e a reeleição dos vereadores. Por isso eles resistem à nomeação dos concursados, pois estes não ficarão dependentes de favor político.

Situação parecida na Assembléia, que também resiste à contratação dos servidores aprovados em concurso público em 2006, alegando o limite de pessoal com a LRF. Os deputados fingem que não podem reduzir os cargos comissionados para contratar os concursados, como se não pudessem reduzir o número de comissionados.

O Estado também não foge à regra. Em 11 de março, O POPULAR revelou que servidores sem concurso (comissionados ou temporários) somavam 23,4 mil pessoas ou 20% da folha de pagamento. Catorze dos 69 órgãos do Estado não têm funcionários efetivos. A lei que criou os tais cargos temporários é de 2000 e já sofreu várias alterações. A última delas em janeiro deste ano. A lei prevê três meses de duração da contratação e que a nomeação só pode ocorrer para atender “necessidades excepcionais”. É possível a renovação do contrato em duas situações, se não houver concurso público para o cargo ocupado pelo temporário e se o aprovado no concurso não atender à convocação do Estado. Como não há concurso público, fica aberta a porta para a renovação por “absoluta urgência e necessidade”.

A urgência e necessidade têm nome: pressão política. Temporários e comissionados permanecem nos cargos pela forte pressão política exercida sobre o Executivo. São esses cargos que viabilizam a contração de pessoal para as cotas de deputados e vereadores em troca de apoio nos Legislativos. Isso explica por que o Estado não reduz gastos com pessoal. Aliás, pelo contrário.

As despesas com pessoal cresceram de 35,76% da receita corrente líquida em 2005 para 42,96% em 2006, como mostrou outra reportagem do POPULAR de 18 de março. A receita ficou 10% abaixo do estimado, mas a folha de pessoal do ano passado cresceu 22% na comparação com o resultado de 2005.

E cresceu em função dos planos de cargos para 13 categorias de servidores públicos propostos pelo governo em março de 2006, não por coincidência em ano eleitoral. O Estado agora volta a falar em corte de comissionados, mas só mesmo vendo para crer. Afinal, folhas inchadas fazem parte do modo de sobrevivência dos políticos, independentemente da cor partidária, mesmo que isso custe estourar a LRF ou, ainda, alimentar os históricos déficits da receita do Estado. Também pelo mesmo motivo a reforma política, prevista para ser votada na Câmara dos Deputados nesta semana, corre o risco de continuar onde sempre esteve, na gaveta. Mudar tudo isso dói, como dói acabar com a corrupção. E político detesta dor.

Fonte: Cileide Alves, em O Popular

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